Estevan de Negreiros Ketzer  |  Psicólogo Clínico CRP 07/19032

Entrevista entre pessoas.

As 4 maneiras de fazer uma entrevista

Vamos abordar o tema da entrevista por se tratar de um tema importante para trabalhos acadêmicos em geral, TCCs, dissertações, teses e relatórios de pesquisa. Veremos no artigo de hoje as quatro formas para realizarmos uma boa entrevista, a saber: 1) entrevista dirigida; 2) entrevista semidirigida; 3) entrevista clínica e; 4) observação participante

Duas mulheres realizando uma entrevista.

Uma entrevista é um contato que visa conhecer uma realidade diferente ou mesmo inacessível se não tomarmos contato direto com os agentes do campo que estamos investigando.

A realização de uma entrevista para captação de dados é uma forma muito tradicional de realizar pesquisa qualitativa. Para ela ocorrer bem é necessário que haja um espaço ou local arejado para sua realização, eximindo o ambiente de sons perturbadores que possam dificultar tanto entrevistado quanto entrevistador. Hoje em dia vemos muitos entrevistadores enviando um formulário do Google Forms para facilitar a questão do deslocamento.

Não podemos deixar de notar a importância de oferecer um termo livre e esclarecido para cada um dos entrevistados. Isso é importante para que o entrevistado possa pedir explicações sobre o uso de seus dados e, caso se sinta constrangido, possa interromper o uso deles. Por questões de sigilo e ética o entrevistador deverá preservar todas as informações que possam prejudicar a integridade física e moral dos entrevistados.

Por se tratar de uma relação com seres humanos, é possível que antes da aplicação de questionários, o trabalho passe por um comitê de ética da instituição de ensino. Isso é extremamente importante, pois é uma maneira que a instituição possui para melhorar o trabalho, com apontamentos metodológicos, os quais preveem os possíveis resultados da entrevista. Além do que, também se torna uma maneira de ajudar o professor orientador em dúvidas que ele possa ter.

Antes de tratarmos diretamente de cada uma das formas de estrevista é preciso que o pesquisador tenha em mente um objetivo em sua entrevista. Ele deve conhecer um pouco sobre o tipo de material a ser investigado e conhecer algo acerca da população ou do lugar que ele irá referendar-se a partir de outros relatos estudados.

Vejamos então as seguintes formas de entrevista:  

1. A entrevista dirigida

A base da entrevista dirigida é ter em foco um estímulo particular no qual os indivíduos possam tomar contato e, em seguida, responder. Como exemplo, apresentamos um estímulo visual ou mesmo uma produção cinematográfica duante a entrevista. A partir do contato dos entrevistados com a obra artística realizamos algumas perguntas para a entrevista:

  1. O que mais impressionou você nesse filme?
  2. Como você se sentiu em relação à parte que descreve o João longe de casa?
  3. Que novidades esse folder trouxe?
  4. A julgar pelo filme, você considera o equipamento usado pelos russos era melhor do que dos alemães?
  5.  Agora, a retomar o tema, quais foram suas reações àquela parte do filme mais violenta?
  6. Ao ouvir o discurso de Joe Biden, você o considerou propagandístico ou informativo?

Sobre as questões acima, o entrevistador precisa estar ciente de sua abstenção, pois isso pode trazer avaliações precipitadas durante a entrevista. Também o fato de que a ordem das perguntas possa ter alguma interação sobre as emoções e pensamentos do entrevistado é suficientemente relevante para fazermos menção aqui ao contexto de entrevista.

Uma boa questão na entrevista também ajuda a trazer clareza ao entrevistado. Ela ajuda o entrevistado a pensar a entrevista através de sua resposta. Esse fato ajuda o entrevistador, pois a resposta pode servir para estruturar as ideias do entrevistado de uma maneira muito particular a ponto de tornar mais organizada o conjunto de ideias presentes na entrevista.

O entrevistador precisa de tomar cuidado suficiente com a especificidade do tema em relação à resposta do entrevistado ao utilizar-se de uma entrevista. Isso exige que o entrevistador faça perguntas mais objetivas quando houver desvio por parte do entrevistado na entrevista. Por exemplo: “Retomando a questão, naquela cena em que João discute com Maria…”

Também é importante ressaltar a importância do caráter da profundidade trazida pelos entrevistados à entrevista. Se um deles se deteve sobre um aspecto em detrimento de outro aspecto na cena. Isso exige do entrevistador fazer uma certa retrospectiva da cena durante a entrevista, por exemplo: “Você recorda quando João abre a porta antes de falar com Maria?”

É de grande importância que um estímulo não seja uma avaliação precipitada por parte do entrevistador na condução da entrevista. A entrevista precisa de evidenciar a forma na qual o entrevistado configurou sua resposta. Esse fato, envolve um diagnóstico do nível de profundidade e detalhamento da resposta dada pelo entrevistado para a entrevista.

2 – A entrevista semidirigida

Quando utilizamos da entrevista semidirigida? Nós a utilizamos para investigar ou reconstruir camadas mais subjetivas das pessoas. Essa estratégia de entrevista é realizada diante do cotidiano das pessoas em suas profissões. O fazemos quando é importante saber como elas lidam com uma situação que outra pessoa sem aquela expertise (perícia em um conhecimento adquirida aos dez anos de prática) não teria condições de entender ou mesmo lidar. Por isso a entrevista passa a ser mais criteriosa tanto do ponto de vista do entrevistador quando do entrevistado.

Um bom exemplo ocorre ao nos deparamos com a prática de certas metodologias que dão muito resultado. Será apenas a aplicação do método indicado ou está subentendido que o método precisa ser aplicado por um profissional experiente? Vemos esse tipo de situação com professores que possuem facilidade em ensinar quando são submetidos a uma entrevista.

Como eles fazem isso? Eis uma questão extremamente importante em uma entrevista com um profissional. O como isso é interessante o suficiente para exigir detalhes no procedimento da entrevista. Cada detalhe possui uma referência própria que pode ser investigada em perguntas ulteriores ou mesmo na pesquisa em material bibliográfico sobre o tema da entrevista.

Esse conhecimento do como inclui suposições que são explícitas e imediatas na entrevista. As respostas podem ser expressas pelos entrevistados de forma espontânea diante a pergunta, sendo essas complementadas por suposições implícitas. Por essa razão, o uso de metodologias específicas para os graus de respostas dos entrevistados precisa de estarem acompanhadas de questionários muito específicos da atividade desses profissionais durante a entrevista.

Para reconstruirmos a atividade subjetiva é necessário que haja questões abertas. Elas são baseadas no conhecimento que o entrevistado tem acesso imediato a ser trazido na entrevista: “Você acha que as pessoas em geral confiam umas nas outras?”. Eis uma questão relevante para a entrevista tomar nova postura investigativa por parte do entrevistador.

Podemos pensar a entrevista com perguntas direcionadas pela teoria que estamos examinando e daí para a construção das hipóteses que nos ocorrem durante a conversa com o entrevistado. Quando há um pressuposto teórico, podemos perguntar, duante a entrevista: “É possível a confiança entre estranhos ou é necessário que as pessoas se conheçam?”

Outra possibilidade é pensarmos em questões confrontativas. Elas são feitas para vermos as respostas sobre o ponto de vista crítico do entrevistado, assim examinamos melhor sua posição frente a teoria utilizada na entrevista. A confrontação é colocar em oposição o exame de princípios ou mesmo de técnicas. “Como você pode ter confiança sem conhecer a pessoa?”

Por ser um confronto de ideias essas perguntas podem trazer uma irritação ao entrevistado durante a entrevista. Portanto devem ser realizadas de acordo com a estratégia de pesquisa mais apropriada. Por exemplo, o entrevistador pode explicar: “Outra pessoa pode fazer uso de uma ideia diferente da sua…” Essa intervenção visa a atenuar possíveis dificuldades de uma analogia que o entrevistado possa fazer duante a entrevista.

Não é nossa meta aqui trazer dificuldades ao entrevistado, mas sim facilitar tanto o entendimento dele quanto o nosso. Quando se estreita a dimensão do exame das questões pode ser interessante, em outro momento da entrevista, desenvolver um modelo baseado nas respostas apresentadas pelo entrevistado.

Nesse modelo, o entrevistado reavalia a entrevista anterior pela apresentação de cartões com conceitos retirados da entrevista anterior pelo entrevistador. Pede-se que ele avalie se estão elencados de forma correta, escolhendo-os de acordo com a adequação.

Mulheres realizando uma pesquisa microfonada.

3 – A entrevista clínica

Com o termo entrevista clínica não queremos reduzir ao contexto do exame clínico apenas, mas ampliá-lo para um entendimento do foco no problema que se deseja conhecer. Para tanto, é muito comum que esse tipo de entrevista acabe ressoando em pessoas que estão construindo biografias em suas pesquisas ou mesmo psicólogos clínicos que buscam ajudar seus pacientes com um foco em seus problemas com o necessário uso de entrevistas.

Vamos pensar em um contexto de entrevista profissional. Um profissional de recursos humanos (RH) pode ajudar um adolescente a descobrir sua profissão ou verificar se de fato a profissão que ele tem em mente é algo no qual ele realmente se sinta identificado para poder trabalhar. O entrevistador pergunta na entrevista: “Você quer cursar física. Como chegou a essa decisão?”

Vemos aqui uma pequena indução do entrevistador à forma de levar o objetivo ao entrevistado na entrevista. Ele já sabe que o adolescente deseja fazer o curso de física, mas quer ajudar o entrevistado a entender melhor os motivos que o levaram a essa decisão.

Por essa razão, a entrevista vai paulatinamente tendo mais questões adicionadas para respaldarem a dúvida sobre a motivação subjacente a escolha profissional. Vemos a continuidade: “Escolhi esse curso porque li um livro de história da física.” O entrevistador inquerirá: “O que te chamou atenção nesse livro?” Desse modo, o objetivo vai sendo clarificado, não só para o entrevistador, mas também para o entrevistado que pode olhar com mais cuidado se sua escolha foi de fato adequada ou não durante os procedimentos da entrevista.

É muito comum em contextos de recursos humanos os entrevistados receberem uma ficha com dados sóciodemográficos para serem preenchidos antes da entrevista. Uma vez que dados mais simples já foram coletados, perguntas mais densas podem ser realizadas diminuindo esse processo inicial de coleta, e acelerando proporcionalmente a entrevista.

Contudo, notamos o quanto alguns componentes subjetivos precisam de certo tempo para serem alcançados com a entrevista. Um entrevistado que não consegue transmitir um problema de forma objetiva pode sentir vergonha e não declarar o que lhe ocorre de fato a não ser que ganhe a confiança do entrevistador. Esse tipo de relacionamento de confiança pode ser muito importante certos contextos específicos de uma entrevista.

4 – A observação participante

É o método preferido quando se realiza trabalhos de campo. Também chamada de entrevista etnográfica (relacionada a um determinado povo), a observação participante quer entender o desdobramento de experiências particulares sem qualquer roteiro prévio de entrevista. A construção dos dados “acontece” no próprio campo em que a entrevista ocorre. Aqui o “observar” possui elementos que serão posteriormente relevantes para encontrarem uma forma objetiva na transcrição do contato com o campo na forma de uma entrevista livre de perguntas pré-orientadas. O entrevistador vê e escuta os fenômenos do campo de forma espontânea e não ideal, como muitas vezes podem ser elencadas em uma situação formal de entrevista ou as especulações teóricas se mostram equivocadas sobre uma determinada população.

Podemos de forma sucinta compreender a observação participante nas seguintes características metodológicas aplicadas a uma entrevista:

  1. A entrevista baseia-se na pesquisa de campo. Portanto, fora das condições de controle experimental e sem instrumentos de medição que não sejam os próprios recursos do entrevistador;
  2. A entrevista é personalizada, pois leva a entrevista para o dia a dia, uma relação face a face com as pessoas que comungam daquela realidade ou conjunto de crenças;
  3. A entrevista é uma análise multifatorial, pois exige diferentes técnicas de coleta de dados etnográficos;
  4. A entrevista requer um compromisso de longo prazo de interação com os entrevistados, a depender de muitos fatores, entre eles o objeto a ser investigado;
  5. Esta é uma entrevista indutiva, pois baseia-se no acúmulo de experiências obtidos no campo, em contato com as pessoas, não sendo possível o teste de hipóteses convencionais nem a construção de modelos teóricos universais;
  6. Esta é uma entrevista dialógica, pois baseia-se nas informações dos entrevistados e podem ser discutidas no decorrer dos procedimentos;
  7. Esta é uma entrevista holística, ao revelar o retrato mais fiel possível daquela população seja em sua subjacente complexidade revelada no tempo de contato etnográfico.

O resultado da etnografia é trazer um relato realista de como aquelas histórias são transmitidas. Não é raro o envolvimento do entrevistador com esse tipo de contato, pois a ideia é que ele esteja naquele ambiente “vivenciando como um deles”. O que ele aprende com o campo o torna personagem daquela história sob o ponto de vista de quem a observa a partir de um determinado lugar.

A entrevista etnográfica foi muito utilizada por antropológos que queriam entender antigas culturas em locais distantes da presença de civilizações. Foi o caso de Franz Boaz, Bronislaw Malinowski, Claude Levi-Strauss e Clifford Geertz ao longo do século XX. Suas pesquisas ressaltaram o quanto a observação participante era um método de entrevista muito mais amplo e imersivo o suficiente para entender culturas “por dentro” ou “como um” dos nativos.

O entrevistador necessariamente precisa de dar ao relato de sua entrevista etnográfica o tom adequado do que ele alcançou. Portanto, não é raro encontrarmos uma proximidade com a técnica literária de escritores ao se deterem sobre as transcrições do ambiente etnográfico em um contexto de entrevista ampliado. Vemos essa expressão etnográfica em narrativas gráficas atuais como os livros Maus, de Art Spiegelman; Palestina, de Joe Sacco e; Persépolis, de Marjane Satrapi.

Roteiros de entrevista

Por fim, não podemos esquecer que uma boa entrevista precisa de uma boa notação sobre as respostas dos entrevistados. Como ele expressou aquela informação duante a entrevista? Será que valeria a pena refazer a pergunta em outro momento ao darmos seguimento à entrevista? É a partir delas que o entrevistador elencará as categorias para o seu texto tomar uma forma de investigação científica.

Essa forma pode ser muito mais interessante quando olhamos as possibilidades e inclinações que temos a nossa disposição para a realização de uma entrevista qualificada. É válido explicitar ao nosso orientador como pode ser relevante o trabalho com a entrevista quando ela nos parece uma estratégia adequada e temos tempo para realizá-la com excelência.

Sendo assim, nossas indicações foram simples para um início acerca dos pontos acerca da realização de uma entrevista. Uma entrevista é uma possibilidade de realizar trocas e obter um conhecimento muito específico, o qual por vezes servirá para outros conhecimentos que são estão sendo prospectados por outros pesquisadores. Esperamos que também seja incentivo para que os interessados tragam suas dúvidas para que possamos ajuda-los em seus trabalhos.

Referências:

Anselm Strauss & Juliet Corbin – Pesquisa Qualitativa

Art Spiegelman – Maus

Joe Sacco – Palestina

Roger Mackinnon, Robert Michels, Peter Buckley – A entrevista psiquiátrica na prática clínica

Marjane Satrapi – Persépolis

Michael Angrosino – Etnografia e Observação Participante

Uwe Flick – Introdução à pesquisa qualitativa

Autor: Estevan Ketzer

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